Renato Gaúcho “O Grêmio representa tudo para mim”

Possivelmente nenhum protagonista alcançará a magnitude que Renato Portaluppi ergueu ao longo da rica história do Grêmio Futebol Porto-Alegrense. À medida que o clube celebra seus 120 anos de existência, o veículo GZH teve a oportunidade de conduzir uma entrevista exclusiva com o treinador, na qual ele compartilhou reflexões sobre sua profunda conexão com a agremiação que serviu com devoção tanto como jogador quanto como técnico.

A narrativa de Renato e a história do Grêmio se entrelaçam desde o distante ano de 1980, atravessando o auge glorioso da conquista do Mundial de 1983 e culminando no árduo trabalho de reerguer o clube após um período na Série B do Campeonato Brasileiro. Durante a entrevista, o treinador não conseguiu conter a emoção ao rememorar suas origens humildes e os passos que o conduziram à imortalização como uma estátua viva do Grêmio.

Renato, seu legado no Grêmio tem um significado especial para você?
Sinto-me profundamente lisonjeado desde o momento em que pus os pés no Grêmio, em 1980, e comecei a conquistar títulos como jogador. Fui parte vital das principais conquistas do clube, contribuindo de forma decisiva. Triunfei tanto como jogador quanto como técnico. Costumo dizer aos meus jogadores: “De nada adianta vestir a camisa do clube por uma década e não erguer troféus.” Às vezes, um jogador passa apenas um ano, mas deixa uma marca indelével. Fazer parte da história de um clube tão grandioso, com 120 anos de história, não tem preço.

O que o Grêmio representa para você?
Ele representa tudo. Não somente para mim, mas também para minha família. Não é apenas porque somos gremistas, mas porque o Grêmio me estendeu a mão quando eu mais precisava. Venho de uma família modesta. Com o que conquistei aqui, pude ajudar a realizar meu sonho de amparar minha família. Quando cheguei, um ano depois, perdi meu pai e assumi a responsabilidade pela família. Meu maior desejo era proporcionar uma casa para minha mãe, e graças ao Grêmio, consegui concretizar esse sonho. Tenho o Grêmio gravado no meu coração por ter possibilitado a ajuda que minha família necessitava.

O que você recorda sobre sua chegada ao Grêmio?
Valdir Espinosa manifestou o desejo de que eu fizesse um teste no Grêmio quando estava prestes a ingressar no clube. Eu tinha entre 17 e 18 anos na época. Consegui convencer minha mãe, mas meu pai, um torcedor colorado, não estava de acordo. No dia do teste, que me obrigou a viajar para Porto Alegre, tive que pular a janela para não desagradar meu pai. Felizmente, o teste foi um sucesso logo na primeira semana, e ali começou minha trajetória. Devo uma imensa gratidão também a Espinosa por essa oportunidade.

Quais jogadores do Grêmio ao longo da história mais se destacam em suas lembranças?
Tenho grande estima por jogadores como Yura, André Catimba, Oberdan, Tarciso e Baltazar. São nomes que deixaram marcas indeléveis na história do clube.

Qual é o seu maior mérito como técnico do Grêmio?
Como gremista, vivi momentos de profunda angústia ao ver o Grêmio na Série B. No ano anterior à minha chegada, estava preocupado e até comentei: “Dessa maneira, não conseguiremos retornar à elite.” O desafio mais significativo foi conquistar um título nacional e retirar o clube de uma fila de 15 anos sem títulos. Eu pensava: “Não é possível que o Grêmio esteja nessa situação, enquanto nosso maior rival zomba de nós.” No entanto, também enfrentei outro desafio monumental. Em 2010, quando assumi o comando da equipe e ela estava em 19º lugar no Brasileirão. Conseguimos realizar a melhor campanha no segundo turno e chegamos à Libertadores. Às vezes, o treinador pode atrapalhar, mas em algumas situações, como essa, pode fazer a diferença.

Quais são os momentos mais memoráveis que você viveu no Grêmio, um como jogador e outro como treinador?
Tem três horas para ouvir minhas histórias? (risos) Tive muitos momentos inesquecíveis. Como jogador, destaco os dois gols em Tóquio, que nos renderam o título mundial. Como treinador, todas as conquistas são especiais. O sofrimento é intenso do lado de fora do campo. Costumo dizer ao meu grupo: “Vamos disputar a Recopa Gaúcha e verão como é importante. Perderão para entender.”

O que ainda o motiva como técnico do Grêmio?
Tenho um desejo profundo de conquistar um Campeonato Brasileiro. Claro que brigaremos por qualquer título que se apresente. Além disso, quero continuar desenvolvendo jogadores da base, o que é crucial para o clube. Gosto de trabalhar com jovens talentos. Muitas vezes, preciso exercer certa contenção, pois os jovens ainda não estão totalmente prontos. Eu também fui jovem, subi pelas categorias de base e compreendo o valor de ter alguém mais experiente para orientar.

Como você aborda o trabalho com jogadores jovens?
Forneço conselhos e busco mostrar o melhor caminho. Adoro contribuir para a formação desses atletas e deixar um legado. No início deste ano, tivemos um jovem jogador que se apresentou com o cabelo pintado de amarelo. Não tenho nada contra, mas um jogador de 17 ou 18 anos não deve ter o cabelo dessa forma. Comigo, isso não é aceitável. Muitas vezes, hoje em dia, os jovens têm distrações como o celular, o shopping e relacionamentos, o que não me incomoda, desde que, dentro do clube, eles sigam as regras. Quando essas manias chegam da base, a história é diferente. Eu aviso desde o início: cortem as unhas e fiquem focados, pois no profissional a responsabilidade é muito maior.

O que mudou desde sua época como jogador até

os dias de hoje?
As mudanças são como a diferença entre dois planetas. Na minha época, os jogadores da base sequer podiam olhar diretamente para os jogadores profissionais. Hoje em dia, os jovens chegam com uma atitude mais ousada, desafiando, participando dos treinos com intensidade. No entanto, o maior desafio que os treinadores enfrentam no futebol atual é a influência dos celulares, uma dificuldade quase insuperável.

Esse período recente no Grêmio representa seu trabalho mais autêntico?
Nos últimos cinco meses, fui obrigado a reinventar a equipe praticamente a cada quatro esquemas táticos diferentes. Embora tenha realizado adaptações ao longo de minha carreira, essa foi a fase em que reinventei minha abordagem com mais frequência. Muitos afirmam que peguei o trabalho de Roger Machado, e tenho grande apreço por ele. Entretanto, quando assumi o cargo, fiz muitas modificações. Compreendo que o conhecimento do futebol não se limita a uma sala de aula. Meu aprendizado acontece observando, analisando e criando esquemas táticos em minha mente.

Você acredita que seu trabalho atual é uma resposta às críticas?
Não é uma resposta direta a ninguém. Aqueles que não têm um entendimento profundo do futebol, como eu tenho, podem fazer críticas, e têm esse direito, mas quem são eles para julgar? Eles não conhecem minha rotina diária e não compreendem totalmente a parte tática do jogo. Tenho a obrigação de falar diretamente com meu grupo, com minha equipe. Nos últimos cinco meses, adotei três esquemas diferentes. Isso não significa que eu tenha aprendido tática apenas este ano, certo?

Sua permanência para 2024 é algo que considera natural?
Se depender do clube, sim, é algo natural que o clube queira renovar meu contrato. No entanto, não gosto de discutir meu contrato enquanto o trabalho está em andamento. No momento, meu objetivo principal é competir pelo título do Campeonato Brasileiro. Muitos acreditam que é uma tarefa difícil, mas já vi muitas reviravoltas no futebol. Enquanto houver chances matemáticas, continuaremos lutando pelo título ou, no mínimo, por uma vaga direta na Libertadores.

Como está a busca pelo substituto de Suárez para 2024?
Encontrar um substituto para Suárez é uma tarefa árdua. Ele é um jogador excepcional e, quando um possível substituto surge, muitas vezes, é inviável trazê-lo devido a questões financeiras. Luis Suárez tem sido de extrema importância para nós. No entanto, no final do ano, ele seguirá seu caminho, como já mencionei em entrevistas anteriores. Portanto, já previ que ele não permanecerá.

Como é seu relacionamento com Suárez?
Meu relacionamento com ele é espetacular, verdadeiramente maravilhoso. Mantemos conversas frequentes e nos entendemos muito bem. Nunca tivemos problemas. Pelo contrário, durante seu período conosco, pude ajudá-lo consideravelmente. Trabalhei com diversos jogadores de renome, mas sem dúvida, Suárez está entre os dois ou três melhores com quem tive o prazer de trabalhar. Ele é um profissional de elite, extremamente dedicado e competente. Um dos profissionais mais notáveis que já encontrei, especialmente em termos de mentalidade vencedora. Ele não gosta de perder, não gosta de ficar fora dos treinos, mesmo com sua idade avançada. É um exemplo de profissionalismo, e isso merece todo o reconhecimento.

Depois de Romário, Suárez é o maior jogador que você treinou?
Tenho uma grande admiração pelo “Baixinho” Romário, mas trabalhar com ele apresentava seus desafios, principalmente durante a semana. Costumava dizer a ele: “Eu te alivio porque sei que você dará muita dor de cabeça aos adversários no final de semana.” E de fato, ele fazia muitos gols e causava impacto nos jogos, mas não era simples lidar com ele. No entanto, é fundamental saber como lidar com os jogadores. Suárez é um jogador rico, milionário, com um extenso currículo de conquistas. Ele poderia estar desfrutando de sua fortuna, mas, surpreendentemente, mantém uma atitude juvenil. Ele se entrega nos treinos, não quer ficar de fora e, às vezes, até recuso sua participação devido à idade, mas ele insiste em continuar treinando. Sua ética de trabalho é exemplar, e é raro encontrar um profissional com tanto comprometimento. Isso é digno de grande respeito.

O que deseja para o futuro do clube nos próximos anos?
Desejo títulos e, quem sabe, mais uma estátua! (risos) Brincadeiras à parte, meu primeiro desejo é que o Grêmio nunca mais volte à Segunda Divisão. Levar um clube de grande porte como o Grêmio para a segunda divisão só é possível cometendo uma série de erros graves. Esteja eu próximo ou distante, sempre torcerei pelo melhor para o Grêmio, seja qual for o cenário.